sábado, 12 de janeiro de 2013

Campo Harmônico Maior: você foge dele e ele persegue você!

Campo harmônico é um assunto do qual todo guitarrista já deve ter ouvido a respeito. Nem por isso, todo guitarrista entende bem o que é e sabe como aplicar este conceito na prática.


O conceito de campo harmônico é a existência de uma relação entre as notas de uma escala e os acordes que a partir dela são formados. Ou, seja, campo harmônico é o conjunto de tríades e tétrades resultantes de uma escala. Por exemplo, a escala menor harmônica e a escala menor natural tem campos harmônicos diferentes, pois são escalas diferentes. No caso da escala diatônica maior, o campo harmônico resultante é o maior. E no caso das escalas menores os campos harmônicos serão também menores. Simples, não?


Tá, você se pergunta, mas como isso funciona e como eu vou usar essa teoria pra tocar guitarra? 


Música, ao contrário do que muita gente possa pensar, não é apenas intuição, mas sim um pouco disso adicionado a prévios conhecimentos de teoria musical e domínio técnico. Ou seja, é um sistema organizado em função de dois fatores principais: divisão/subdivisão do tempo e elementos sonoros. O campo harmônico é um dos estudos mais importantes de harmonia pois dentro dele encontra-se a tonalidade da música.


Primeiramente, você deve pensar no conceito de harmonização. Harmonizar nada mais é do que aplicar acordes que soem bem, se encaixem às melodias de uma peça musical. Ora, se uma linha melódica está em Dó maior, convém que os instrumentos harmônicos - sem desprezar outras vozes/ linhas melódicas - estejam executando harmonias (acordes) nessa mesma tonalidade.


Então, o campo harmônico serve para orientar os músicos sobre quais os acordes "apropriados" para serem utilizados em uma música dentro de uma determinada tonalidade. Observem que eu disse tonalidade, pois há outras maneiras de estabelecer progressões harmônicas - centros tonais, modos, acordes de empréstimo modal etc...


Em resumo, o Campo Harmônico diatônico maior de Dó, em tríades, seria o seguinte:


C - Dm - Em -  F - G - Am - Bø


No caso de tétrades, ficaria assim:


C7M - Dm7 - Em7 - F7M - G7 - Am7 - Bm7(b5)



Agora, novamente você se pergunta: mas de onde partiu essa diferenciação entre acordes maiores, menores, com sétimas maiores, menores e os meio-diminutos/ diminutos?


Primeiramente, é importante salientar que o intervalo de Terça é o responsável pela diferenciação entre tríades maiores e menores. Bem simples, se a 3ª é menor a tríade é menor. E se a 3ª é maior, a tríade será maior.


As sétimas também funcionam na mesma linha de raciocínio. Para conhecer melhor os intervalos, sugiro acessarem a postagem Tabela de Intervalos.


E entre os acordes meio-diminuto (Bø )  e o acorde Bm7(b5), qual a diferença?


A diferença é que a tríade meio-diminuta é formada pelos intervalos: T - IIIm - Vº. Já o Bm7(b5) é na verdade uma tétrade composta da tríade meio-diminuta com a adição da sétima menor. Não confundir com o acorde diminuto, no qual a sétima também seria diminuta, formando quatro intervalos perfeitos de 1 tom e meio.


Calma! ficou mais confuso ainda. Não se desespere. Tirando essa confusão que realmente é causada pelos acordes meio-diminutos e diminutos, os outros acordes são formados de modo bem simples.


FORMAÇÃO DO CAMPO HARMÔNICO MAIOR.

Como foi dito anteriormente, o CH é formado pelas notas da tonalidade maior. A tonalidade maior é dada pela escala diatônica maior, que segue os seguintes graus e intervalos:


INTERVALO               T        T      ST      T       T       T       ST

GRAU                      I         II     III       IV     V      VI     VII       VIII

A relação entre os intervalos acima é conhecida como a fórmula da escala diatônica maior, portanto:  T-T-ST-T-T-T-ST.


As notas obtidas da aplicação da escala diatônica maior, equivalem a tonalidade maior natural. Cada nota será equivalente a um dos graus apresentados na fórmula acima, sendo que o primeiro grau é o mais importante de todos, pois é a partir dessa nota que as outras relações intervalares serão estabelecidas. Ao I grau é dado o nome de Tônica ou Fundamental. Tanto faz se em um acorde, ou em uma escala, a primeira nota, ou a nota que estabelece relações com as demais é chamada de tônica ou fundamental.


No caso de acordes a tônica geralmente ocupa a posição do baixo (nota mais grave do acorde). Exceção quando a nota mais grave é substituída pela 3ª, 5ª ou 7ª, pois nestes casos os acordes são chamados de invertidos, mas não vamos aprofundar neste assunto pois já seria outra postagem. Apenas apresento estes detalhes para que a importância da tônica ou fundamental seja destacada.


Na formação do Campo Harmônico, devemos atentar para um detalhe muito importante: cada grau ocupa a função de tônica no processo de formação de acordes. Assim, o grau I é a tônica da escala diatônica maior, e também será a tônica/fundamental dos acordes obtidos neste grau. Mas a nota do grau II será a tônica do acorde formado neste grau. E isto vale para cada grau a seguir.


A outra consideração a ser feita é que os acordes são formados por sobreposições de intervalos de 3ª. Os intervalos de terça são dois: o maior e o menor, como já dito anteriormente, sendo que o de 3ª maior estabelece uma relação de dois semitons acima da tônica e o de 3ª menor, a relação de 1 tom e 1 semitom da tônica.


Para montar nosso primeiro CH, vamos pensar da seguinte forma: em cada grau da escala vamos fazer sobreposição de terças (entre as notas que pertencem à escala) e assim, encontraremos as notas de cada tríade.


1º Exemplo: Campo Harmônico de Dó Maior.


Aplicamos a fórmula da Escala Diatônica de Dó Maior, em que a tônica, ou grau I da escala será a nota Dó:



INTERVALO               T        T      ST      T       T       T       ST
GRA                         I        II     III       IV      V     VI     VII       VIII
NOTAS                   C      D    E       F      G      A      B         C

Pronto, temos as notas da tonalidade de Dó maior. Agora, vamos listar cada nota de acordo com seus respectivos graus abaixo, a partir das quais deverão ser sobrepostos os intervalos de Terça:


I:    C + 3ª + 3ª;

II:   D + 3ª + 3ª;
III:  E + 3ª + 3ª;
IV:  F + 3ª + 3ª;
V:   G + 3ª + 3ª;
VI:  A + 3ª + 3ª;
VII: B + 3ª + 3ª;

Após aplicarmos as terças sobrepostas (1 tom e meio ou 2 tons) o resultado será esse:


GRAUS    I                                    III(maior ou menor)          V (justa ou diminuta)

I:              C   +  [     2T      ]    >     E     +  [1T e 1ST]      >   G =    C - E - G  >  tríade: C

II:             D   +  [1T e 1ST]     >     F     +  [     2T     ]      >   A =    D - F - A  >  tríade: Dm


III:            E   +  [1T e 1ST]     >     G     +  [     2T     ]      >   B =    E - G - B  >  tríade:  Em


IV:            F    +  [     2T     ]    >     A     +  [1T e 1ST]      >   C =    F - A - C  >  tríade:  F


V:             G    +  [     2T     ]    >     B     +  [1T e 1ST]      >   D =    G - B - D  >  tríade:  G


VI:            A   +  [1T e 1ST]     >     C     +  [     2T     ]      >   E =    A - C - E  >  tríade: Am


VII:           B   +  [1T e 1ST]     >     D     +  [1T e 1ST]      >   F =    B - D - F  >  tríade:  Bø



Observem no exemplo acima, que as tríades são vistas como maiores quando as terças são maiores  [     2T      ] e quando elas são menores [1T e 1ST] as tríades também são menores. No caso da tríade do VII grau, ela é meio-diminuta pois a sobreposição é feita de duas terças menores.


E agora, e quanto às tétrades, o que fazer? Bem, na verdade é bem simples, basta seguir a mesma linha de raciocínio, só que sobre a V de cada tríade que você acabou de ver formada, basta adicionar mais um intervalo de terça (maior ou menor) de acordo com as notas que fazem parte da escala diatônica de Dó maior e você então chegará nas respectivas sétimas, vamos ver?




GRAUS    I                                    III                                    V                               VII
I:              C   +  [     2T      ]    >     E     +  [1T e 1ST]    >   G +  [     2T      ]     >  B    =   C  E G B 

II:             D   +  [1T e 1ST]    >     F     +  [     2T     ]     >   A +  [ 1T + 1ST]    >  C    =   D F A C

III:            E   +  [1T e 1ST]    >     G     +  [     2T     ]     >  B  +  [ 1T + 1ST]    >  D    =   E G B D

IV:            F   +  [     2T      ]    >     A     +  [1T e 1ST]   >   C +  [     2T      ]      >  E    =   F  A C E 


V:             G   +  [     2T     ]     >     B     +  [1T e 1ST]   >   D +  [1T e 1ST]     >  F    =   G B D F

VI:           A   +  [1T e 1ST]    >     C     +  [     2T     ]     >   E +  [ 1T + 1ST]     >  G   =   A C E G

VII:          B   +  [1T e 1ST]    >     D     +  [1T e 1ST]    >   F  +  [     2T      ]      > A   =   B D F A



Analisando as tétrades formadas acima, teremos, de acordo com os graus:


I:     C7M;

II:    Dm7;
III:   Em7;
IV:   F7M;
V:    G7;
VI:   Am7
VII:  Bm7(b5);

Com o tempo, o estudo de campo harmônico fica mais fácil, pois realizar esta sobreposição de terças acaba ficando mais imediata, não sendo necessário usar estas fórmulas e construir estes modelos. O importante é sempre lembrar que:



  • o CH é formado a partir da escala que determina a tonalidade: ou seja, as escalas menores (natural, melódica e harmônica) terão também seus próprios campos harmônicos. Assim, as tríades e tétrades no CH da escala menor harmônica de Dó serão ligeiramente diferentes dos acordes do CH de Cm natural;

  • Uma dica interessante é que no campo harmônico da escala menor harmônica, o acorde do V grau é um acorde V7, enquanto na menor natural esse mesmo acorde seria um Vm7. Em tese o acorde Vm7 é estranho para uma função dominante, mas por exemplo na música Since I've Been Loving You do Led Zeppelin, por se tratar de um Blues menor, temos um exemplo onde o acorde da função dominante é exatamente o Vm7.


  • É importante notar também que, em se tratando de pentatônicas, não há de se falar em campo harmônico específico destas escalas, uma vez que são reduções das escalas diatônicas;


  • Os modos também criam seus próprios campos harmônicos e daí surgem várias possibilidades harmônicas. Por exemplo, o acorde de F7M(b5) ou F7M(#11) se encaixa bem no modo Lídio. Não é um acorde diminuto, pois os intervalos III e VII+ presentes nele o descaracterizam como diminuto, mas é um acorde que vale a pena ser considerado. Outro acorde interessante que surge do modo frígio, seria o Em(b9). Enfim, ao se pensar em modos, os campos harmônicos podem adquirir possibilidades interessantes de serem exploradas. Pensem nisso.

Qualquer dúvida, comentários serão muito bem vindos.



2 comentários:

  1. Estive analisando as notas de duas músicas do Oasis:
    Champagne Supernova - https://www.cifraclub.com.br/oasis/champagne-supernova/
    Supersonic - https://www.cifraclub.com.br/oasis/supersonic/

    A primeira está configurada no tom de D, e a segunda em A. Porém, ambas apresentam algo em comum que ainda não conseguir compreender.
    Nas duas músicas o acorde referente ao grau II, aparece maior, quando naturalmente, são menores.

    Fiquei confuso com isso, e gostaria de compreender o que ocorre nestes casos?

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    1. No caso da Champagne Supernova é bem comum este tipo de ocorrência. O E neste caso não é IIm do tom da canção, mas um dominante secundário, em que E-A = V - I. É uma relação de preparação da dominante (mas sem o uso da sétima menor do acorde).

      Quanto à segunda canção, a explicação é um pouco mais complexa. Na página do Cifraclub ela está notada no tom de A, quando na verdade, a música trabalha em função do tom de F#m. O que na prática é quase a mesma coisa, já que as tonalidades de Lá maior e Fá sustenido menor são relativas naturais. Por isto, funcionam com base nas mesmas notas e acordes. Neste caso, o acorde B funciona como o IV de F#m, em vez de IIm de A.

      Porém ainda há uma estranheza aí que precisa ser resolvida: no tom de F#m o quarto grau é menor, um IVm. Logo o acorde deveria ser o Bm. Mas se você considerar que há três tonalidades menores a serem exploradas: a menor natural, menor harmônica e menor melódica, aí você encontra a resposta para a sua dúvida. O acorde B neste caso está funcionando como grau IV da tonalidade de F#m melódica.

      Como a escala menor melódica, e consequentemente a tonalidade, não são tão empregadas quanto a menor harmônica, e menos ainda se comparar com o uso da menor natural, fica difícil perceber de início este acorde como um IV grau maior, dentro da escala menor. Mas na melódica esse grau existe e funciona. Seria o exemplo de um acorde de Ré maior dentro da tonalidade de Am melódica, quando nos tons de Am e Am harmônica o acorde seria um IVm, ou seja, um Dm.

      Desculpe a demora para responder. Eu estive meio afastado do blog e só vi seu comentário hoje. Espero que ainda lhe atenda ou que sirva a outras pessoas com a mesma dúvida. É isso aí.

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